sexta-feira, 5 de março de 2010

Vale a pena ler!!!


Texto recebido por email pela Christine Strussmann. Muito bom LEAIM



Divertido, sensível e contundente!!
Vale a pena ler!


*NÓS QUE AMAMOS AS PERERECAS*

*POR RIBAMAR BESSA*

<http://1.bp.blogspot.com/_QLpEuns8fn4/Ssi02tfQYnI/AAAAAAAAFVc/Y4JOLBCSCqA/s1600-h/ribamar.jpg>Escrevo
de Rio Branco. Vim ministrar a conferência de abertura do seminário “A
Historiografia Amazônica em Debate”, organizado pelo Grupo de Pesquisa Gaia
da Universidade Federal do Acre (UFAC). Aqui tenho uma penca de ex-alunos.
Alguns são índios: Isaac Ashaninka, Norberto Kaxinawá, Adaizo Yawanawá.
Outros não. É o caso do atual governador do Acre Binho Marques (PT) e da
senadora Marina Silva (PV-AC). Dei aula para ambos, em 1986, na
Pós-graduação de História Social e Econômica da Amazônia.
- Qual dos dois foi melhor aluno? - me pergunta o entrevistador Alan Rick,
num programa local da TV Gazeta.
Demoro a responder. Estou desconcentrado. É que não consigo desviar os olhos
do topete dele. Os fios de seus cabelos penteados para trás guardam
distância simétrica um do outro e estão cimentados por um irremovível laquê,
que nenhum tufão consegue despentear. Mistura de Elvis Presley com Silvio
Santos. Enquanto penso que essa tribo da televisão é bizarra, a entrevista
prossegue.
- Você vota na Marina para presidente da República? - ele quer saber.
Lembrei, então, que um amigo, antropólogo de São Paulo, me fez a mesma
pergunta, só que conjugando um novo verbo:
- Você “marinou”?.
Na realidade, “marinei”. Por isso, toma cuidado com o que eu escrevo, leitor
(a). Esse que vos fala não é um locutor “imparcial”, mas alguém que vestiu a
camisa “Marina presidente”. Por quê? Ora, por causa das pererecas.
*Motel de perereca*
Lá, no Rio, em 1965, os biólogos localizaram a *Physalaemus soaresi *- uma
perereca de 2 cm que não existe em nenhum outro lugar do Planeta, só no
brejo da reserva da Floresta Nacional, próximo à rodovia Presidente Dutra.
Acontece que máquinas gigantescas, tratores, caminhões e escavadeiras
invadiram o brejo para construir o Arco Metropolitano, uma obra do Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC), orçada em R$ 1 bilhão.
O Arco, que vai permitir chegar ao Porto de Itaguaí através de 80 km de
asfalto, ameaça extinguir essa espécie rara da família *Leptodactylidae*,
uma família humilde, mas honrada, que está para o mundo dos batráquios,
assim como a família Silva está para os brasileiros. Os operários da obra
deram-lhe o nome de “Norminha”, personagem fogosa da Dira Paes na telenovela
“Caminho das Índias”. Norminha Leptodactylidae.
- Se não parar a obra, a família inteirinha desaparece do mapa - alertaram
os administradores da floresta.
Mas os engenheiros da Secretaria Estadual de Obras retrucaram:
- Então, leva a perereca pra outro lugar, porque o PAC não pode parar.
O vice-governador do Rio, Luiz Pezão, ironizou com uma provocação boçalóide:

- Se é para não atrapalhar o namoro de perereca, então vamos fechar toda a
via Dutra.
Foi quando entrou em campo Carlos Minc, o cupido das pererecas, que
discordou. Na qualidade de ministro do Meio Ambiente, propôs a construção de
uma espécie de motel, onde elas possam se reproduzir, o que desagradou a
gregos e baianos. Uns acham que a proposta do Minc - erguer um muro com
placas de metal separando o brejo do canteiro de obras - não é bem um motel,
mas um “pererecaduto”, nocivo aos batráquios. Outros crêem que não vale a
pena encarecer o custo da obra por motivo que consideram fútil.
A situação se complicou ainda mais, quando o biólogo Sérgio Potsch,
responsável pelo laboratório de répteis e anfíbios da UFRJ e especialista em
girinos, informou que o brejo abriga uma espécie rara de peixe - o *Notholebias
Minimus* - que também não existe em nenhum outro lugar do mundo. O certo é
que a obra do Arco Metropolitano foi paralisada, enquanto os técnicos
discutem o que fazer.
*O cu da formiga*
Eis o que eu queria dizer: se não houvesse a possível candidatura de Marina
da Silva, o discurso dominante seria o de Lula da Silva e “Norminha” já
estaria mortinha da silva. Que discurso é esse? Meses atrás, Lula debochou
de uma perereca gaúcha, responsabilizando- a pelo atraso em mais de meio ano
na construção de um viaduto da BR-101. Fez discurso similar em relação ao
bagre, que pode ser prejudicado pela hidrelétrica do Rio Madeira. Agora, o
papo mudou.
Bastou a presença da Marina no cenário político nacional para obrigar os
demais candidatos e os poderes públicos a incorporarem as questões de
sustentabilidade ambiental em seus discursos. Marina está convicta de que as
necessidades da atual geração podem ser satisfeitas sem sacrificar as
gerações futuras, sem saqueio ou predação. Isso é sustentabilidade.
É muita burrice eliminar uma espécie animal ou vegetal em troca de uma
estrada ou de uma hidrelétrica, porque existem técnicas e saberes
diversificados para construir obras, mas até hoje não foi inventada uma
forma de recriar uma espécie que desapareceu. O grande problema ambiental é
esse: a ignorância e a desinformação e não o desmatamento, a queimada, as
estradas, que já são frutos da boçalidade.
Tem gente que acha um absurdo que uma “pererequinha de merda”, de 2cm,
atrase uma obra de R$ 1 bilhão. Mas o poeta Manoel de Barros tem razão
quando diz que “o cu de uma formiga é muito mais importante do que uma Usina
Nuclear”, e que não precisou ler os teólogos e os sábios para chegar a Deus.
“As formigas me mostraram Ele”, escreveu o poeta, doutor em formigologia.
Para a vida verdadeira, o cu da formiga, a cabeça do bagre e a perereca são
tão imprescindíveis quanto uma estrada.
Não importa o que Marina pensa sobre o aborto, nem suas convicções
religiosas sobre a criação do mundo. O que importa é que, por causa dela,
dona Dilma, seu Serra, seu Ciro e qualquer outro candidato vão ser obrigados
a discutir seriamente a questão ambiental e a sustentabilidade. Marina sabe
que estradas e hidrelétricas são necessárias, mas podem ser construídas sem
destruir o planeta. Acena poeticamente para a utopia e mostra que o valor
das coisas depende da capacidade que temos de nos encantar por elas.
Marina me representa, hoje, tão visceralmente quanto o Lula em eleições
passadas. Simboliza a inteligência, a sensibilidade, o compromisso com os
indefesos, os fracos, os pequenos, o planeta, a *mama pacha*. Por isso,
marinei. Ela terá militantes entusiasmados ao seu lado, porque é capaz de
empolgá-los, coisa que duvido dona Dilma fará. De-u-du-vê-i- vi-de-o-dó
macaxeira mocotó! Foi mais ou menos isso que disse ao jornalista Altino
Machado, caminhando ontem com ele pelas ruas de Rio Branco. Nós todos, que
amamos as pererecas e a vida, marinamos.
<http://1.bp.blogspot.com/_QLpEuns8fn4/Ssggi5F34zI/AAAAAAAAFVU/yeOXYEUWu54/s1600-h/bessa3.jpg>

*♦** O professor Ribamar Bessa coordena o Programa de Estudos dos Povos
Indígenas (UERJ), pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social
(UNIRIO) e edita o site-blog Taqui Pra
Ti<http://www.taquiprati.com.br/home/index.php>.
*
Publicado por ALTINO MACHADO

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